8 de agosto de 2013

DSM-V e o Autismo: Oba! Oba???

Em Maio, o DSM V foi lançado. Oba! Oba?????

DSM-V, o Manual de Estatística e Diagnóstico de Transtornos Mentais 
O DSM tem como maior benefício padronizar diagnósticos clínicos (mesmo que de modo imperfeito), diminuindo a variabilidade que ocorreria caso cada pesquisador tivesse sua “opinião pessoal” sobre o assunto. Não seria possível, por exemplo, comparar os resultados de um tratamento realizado por uma equipe X com aqueles realizados por outra equipe Y, se cada uma delas chamar um quadro clínico de uma forma.  (Mattos, 2013)

Sendo assim, o DSM é um recurso imprescindível para a realização de diagnósticos e sua nova edição foi super esperada por muitos (inclusive por mim).

Confesso que nem me preocupei de ir correndo atrás do manual na hora para ler as modificações a respeito do autismo, pois com tanto esclarecimento acerca do assunto hoje em dia, eu tinha certeza de que os critérios diagnósticos só tendiam a melhorar.
Chegada a hora de ler as modificações, e eu me aconcheguei com papel, caneta marca-texto em punho e... quase tive uma síncope!!!!
Parece mentira, mas não é...
O diagnóstico agora é Transtorno do Espectro do Autismo e só! Não tem mais Sindrome de Asperger, nem TID-SOE, nem Alto funcionamento e nem autistas clássicos. Agora todo mundo pertence a um só grupo denominado Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). A diferença, segundo o DSM V deverá ser feita por graus e não mais por subcategorias.
Eu ainda estou pasma e nem quero pensar no que está por vir. Se já era difícil chegar a um diagnóstico com todos os critérios que tínhamos para cada categoria dentro do Espectro, o que será que vai acontecer se todos os tipos e graus levam o mesmo nome?
Diz o manual que a diferença estará nos graus. Mas sinceramente queria saber quais são as ferramentas que iremos usar para saber o grau de autismo. O CARS? O CARS é muito bom mas é uma ferramenta de grande valia para ter dados mais descritivos do quadro. O grau de autismo para mim não está no que a criança faz ou deixa de fazer, sabe ou não sabe, o grau de autismo está na funcionalidade da criança. Alguém tem uma sugestão para medir a funcionalidade?
O diagnóstico de autismo sempre foi e sempre será descritivo, mas as categorias auxiliam nos direitos, no tratamento, nas pesquisas, no diagnóstico diferencial, no prognóstico.
A presença ou a ausência de déficit intelectual, assim como a presença ou ausência de atraso de fala e linguagem, são fundamentais no diagnóstico diferencial entre a Sindrome de Asperger, autistas de alto funcionamento e autistas clássicos.
Olha só como vai funcionar: A criança vai ao médico que diz que ele tem TEA, e quando ela chegar no meu consultório com este papel, ele não vai fazer a menor diferença para mim pois não terei idéia de onde ela está no espectro, de como ela funciona, qual o ponto de partida.
Pensem bem: Se todos são TEA, sem categorização, pesquisas similares podem ter resultados diferentes só porque tinham indivíduos com muitas variações dentro do espectro. Ex.: O resultado de uma pesquisa com 10 Aspergers é muito diferente de uma outra pesquisa com 5 Aspergers e 5 autistas clássicos. Claro!
Para fazer a pesquisa nós teremos que separar os grupos pelos sintomas, características e antes nós tínhamos uma referência para isto e agora não temos mais.
Ou os pesquisadores vão ter um trabalho danado para explicar como foi a seleção do grupo pesquisado ou eu vou ter um trabalho danado para ler e entender o resultado da pesquisa. Fora que eu ainda vou ter que aplicar a teoria na prática.
Bom, até agora listei que eu considero perda para os profissionais da saúde... mas ainda posso citar as possíveis perdas para a sociedade.
A inclusão do asperger e autistas "clássicos" na escola é a mesma? Não! Conclusão: Perdemos a individualidade.
A sociedade tem muitos mitos ainda sobre o autismo? Sim! Agora teremos mais mitos ainda porque o nome é igual para todo mundo e a conscientização não poderá ser feita em poucas palavras.
Junto com a falta e dificuldade de informação temos o preconceito aumentando.

Bom,me lembrei de um pensamento de Boaventura de Souza Santos, que pode ser muito bem aplicada aqui.
"Lutar pela igualdade quando a diferença nos discrimina. E lutar pela diferença quando a igualdade nos descaracteriza"

Este pensamento ilustra nem o que penso a respeito do DSM V. O DSM V descaracterizou pessoas que precisavam de um pouco mais de ciência e sensatez.

Ainda estou digerindo....

19 de julho de 2013

Atividade para trabalhar expressões faciais

Olá!
Hoje o post é uma idéia de uma atividade criativa e de múltiplos usos terapêuticos e lúdicos.
Este material da foto, fui eu mesma quem fiz. Seguindo a "onda" do DIY (do it yourself), coloquei a mão na massa e fiquei feliz com o resultado.

Como fazer:
Utilizei uma pasta para colar as figuras de menino e menina.
Fiz uma xerox ampliada de cada figura, sem os olhos nariz e boca.
Colei os meninos na pasta e cobri as imagens com contact.
Em cartões avulsos, fiz modelos diferentes de cada parte do rosto considerando a montagem de expressões faciais como: feliz, triste, bravo, susto e medo.
Colei uma parte do velcro na pasta e outra no verso dos cartões com as partes do rosto para a montagem do rostinho ser mais divertida e dinâmica.



Resultado:
- Posso pedir para a criança montar uma expressão facial determinada.
- Posso montar uma expressão e pedir para a criança imitá-la no espelho.
- Posso ler uma história e pedir para a criança representar a expressão facial do personagem.
- Enfim.... posso deixar a criatividade aflorar de acordo com os objetivos da terapia.

Espero que tenham gostado!

1 de maio de 2013

Os quatro reinos autistas - Alysson Muotri

O autismo é, para as doenças neurológicas, o mesmo que a África para os assuntos sociais”, definiu o jornalista Caryn James, em declaração publicada no “New York Times”, em 2007. Com a frase, James buscou enfatizar o emergente reconhecimento público sobre o autismo durante a década passada. Movimentos emergentes pro-África acabaram por polarizar opiniões dos envolvidos, causando certa confusão na percepção pública sobre o assunto. Afinal como ajudar a África? O mesmo acontece com o autismo hoje em dia.
Parte da polarização de opiniões sobre o autismo está relacionada com seu caráter heterogêneo: chamamos de autista um garoto de seis anos de idade que não fala, um jovem de 20 anos que estuda computação e tem “tiques estranhos” e um homem de 40 anos que segue uma rotina religiosa e não tem interesse na vida social. “Autismos” seria a melhor definição para esse espectro de comportamentos sociais. Não existe um autismo típico, cada caso tem sua própria natureza. A outra contribuição da polarização vem dos profissionais de saúde. Pessoas com autismo são vistas sob óticas diferentes dependendo do profissional – seja pediatra, neurologista, psiquiatra, terapeuta comportamental, dentista, psicólogo, fonoaudiólogo ou tantos outros que se relacionam com o autista.

É a velha história dos cegos e do elefante, em que cada um apalpa uma parte do bicho e acredita estar diante de um objeto diferente. Cada um tem uma perspectiva diferente da condição autista, com opiniões fortes de como o autismo deve ser encarado e tratado. Outros ignoram completamente o problema, buscam aceitação, levantando a bandeira da diversidade, rejeitando opções de tratamento e cura. É óbvio que isso tudo deixa os familiares confusos e pulveriza a força politica pró-autista.
Pois bem, no espírito da conciliação, de encontrar o que é comum e válido entre as diversas tribos pró-autistas, proponho quatro perspectivas de comunidades interessadas em autismo que se especializaram tanto na forma como falam sobre o autismo que se tornaram reinos ou feudos isolados e distintos. Cada reino tem suas verdades, mas todos falham na tentativa de entender ou mesmo reconhecer que suas verdades não são aceitas fora de suas fronteiras.
Primeiro Reino: o autismo como doença. A condição autista foi descrita pela primeira vez pelo médico Leo Kanner em 1943. Desde então, a pesquisa médica tem sido focada encarando o autismo como se fosse uma doença. Nesse reino encontram-se médicos, pesquisadores, familiares e pacientes. Todos veem o autismo como uma doença do cérebro que pode ser tratada com medicamentos. Investigam a melhoria do diagnóstico, intervenções e a cura como objetivo final. Teorias médicas evoluíram da mãe-geladeira para formas complexas da neurogenética. Buscam-se marcadores moleculares da doença e novas drogas. Ao contrário dos que veem o autismo como uma deficiência, buscando melhores serviços e suporte, esse reino foca na lógica puramente científica para justamente reduzir o número de serviços e suporte dado ao autista. Querem cortar o mal pela raiz.
Segundo Reino: o autismo como identidade. Nesse reino, os integrantes substituem a classificação de autismo como doença por uma questão de diversidade – ou mesmo de  identidade. Esses, juntos com as comunidades de deficientes, veem o autismo como sendo apenas mais uma entre milhares de variações cognitivas da humanidade, com necessidade de aceitação, não de cura. Pessoas com autismo leve que podem viver de forma independente, mas que não se sentem totalmente acolhidas socialmente, fazem parte desse grupo. Em vez de buscarem formas de se tornarem “normais”, focam na inclusão e aceitação social. Exigem reconhecimento de que o autismo é uma forma de pensar diferente, que pode produzir soluções inovadoras para problemas difíceis. Muitos veem os resultados genéticos como uma forma de eugenia, não acreditam em explicações de causalidade e acham que tratamentos são uma forma compulsória de conformismo social. Como as comunidades de deficientes, membros desse reino buscam apoio da sociedade, melhorias educacionais, serviços ocupacionais e direitos cívicos.
Terceiro Reino: o autismo como lesão. Talvez um dos argumentos mais acalorados sobre o autismo seja o papel da vacina como causadora de uma lesão levando ao autismo. Membros dessa comunidade são pais que observaram regressões de desenvolvimento de suas crianças após vacinação. Mesmo frente a fortes evidências epidemiológicas de que vacinas não causam autismo, defensores dessa teoria sugerem que esses estudos estejam mascarando casos raros que foram causados por vacinas. Ao contrário do grupo anterior, os pacientes autistas nesse caso são afetados de formas severas, não verbais, com disfunções imunológicas, gastrointestinais e ataques epiléticos. Familiares desse grupo, sentindo que a ciência e medicina ainda não geraram medicamentos eficazes, buscam alternativas como dietas específicas e desintoxicação, entre outras. A grande distinção desse grupo é que acreditam o autismo fora causado por uma determinada lesão cerebral, causada por algum episodio específico na historia de vida do individuo. Portanto, levantam a bandeira da prevenção, reconhecendo que ao descobrir a causa poderíamos frear a prevalência do autismo.
Quarto Reino: o autismo como modelo. Da mesma forma que cientistas usam a cegueira para entender o sistema visual, membros desse grupo buscam no autismo a oportunidade de entender o cérebro social. Esse grupo é composto primordialmente por neurocientistas interessados em compreender o comportamento social humano, usando ferramentas como neuroimagem e neuroanatomia em tecidos cerebrais. O objetivo é mapear o cérebro para encontrar vias nervosas que processam informações socais específicas, tais como reconhecimento de faces, postura em grupo e teoria da mente. Esses cientistas apostam em modelos animais ou estudos de ressonância magnética do cérebro humano como instrumentos importantes para se ganhar insights sobre a natureza humana, sem necessariamente se preocupar com a causa ou cura do autismo.
Reconheço que esses quatro reinos não necessariamente representam todo o universo do espectro autista. No entanto, descrevem de forma ampla perspectivas distintas que hoje em dia dividem opiniões sobre o autismo. Esses feudos criaram estruturas super organizadas como sociedades profissionais, ONGs ou redes sociais, para se fortificarem. Infelizmente essa atitude serviu também para criar barreiras entre si, dificultando interações construtivas e trocas de idéias entre seus membros menos extremistas. Assim, podemos entender as críticas que sofrem os geneticistas, que veem o autismo como doença e buscam diagnóstico pré-natal, que seriam agentes abortivos dos autistas da próxima geração.
Mas quem afinal está certo? Da mesma forma que ainda não sabemos qual a melhor politica para ajudar a África, não existe uma resposta clara para o autismo. É provável que todos os cegos estejam certos parcialmente. O importante é notar que cada um dos reinos autistas tem oportunidades de oferecer algo de construtivo. Precisamos tanto de melhores diagnósticos e tratamentos, como melhores serviços, estratégias de prevenção e um entendimento mais apurado do cérebro social humano. Acredito que quanto mais os membros desses grupos se mantiverem isolados, pior será para o autismo. Acho que deveríamos buscar o oposto, abrindo a fronteira desses reinos e favorecendo a fertilização cruzadas de ideias. Essa atitude pode mostrar o que existe de comum entre esses reinos. Por exemplo, a luta por melhores serviços profissionais que atendam a demanda autista. Outro exemplo seria a de criar um centro de excelência que testasse sem bias idéias vindas das diversas áreas. Propus algo assim para o Brasil recentemente e fiquei pasmo com a recepção positiva de pessoas com opiniões bem diferentes sobre o autismo o que sugere que a proposta mereça ser considerada.
Com o crescente número de crianças autistas tornando-se adultos com autismo, a situação começa ficar crítica e requer ação imediata. Penso que nada de muito positivo vá acontecer se cada grupo insistir na sua própria visão. Será uma pena olharmos do futuro para o que acontece hoje e concluirmos que poderíamos ter lutado juntos por algo transformador, buscando cooperação ao invés de conflito. Acho é possível unirmos forças para atingir metas a curto prazo, como melhores escolas para os autistas, e também soluções a longo prazo. Dessa forma teremos um mundo melhor para crianças e adultos autistas.

Alysson Muotri
Fonte: http://g1.globo.com/platb/espiral/2013/03/04/os-quatro-reinos-autistas/